sexta-feira, 7 de abril de 2017

Sapato novo

Sapato novo é lindo, te encanta e quando você usa, se usar demais, machuca. Machuca porque na loja você, envolvido num sentimento parecido com a paixão, não percebeu alguns detalhes, uma costura no calcanhar, o bico fino demais, o material macio de menos.
Machuca mas você insiste dizendo que ele vai se moldar ao seu pé, vai lacear, vai ficar mais maleável. Mas se continuar usando vai machucar mais e mais.
Assim são os relacionamentos: até que um se molde, laceie vai machucar. Machuca ter que se acostumar com as manias do outro, com os defeitos do outros. Por isso primeiro a gente namora, morre de saudade a semana inteira e se vê só nos finais de semana. Depois de um tempo, acostumados com as esquisitices mais leves um do outro começamos a aumentar a frequência dos encontros, dorme na casa um do outro, almoço no meio da semana. Se tudo continuar indo bem vem o noivado, ou não. Até que por fim a gente se casa, ou mora junto sem fazer nenhuma cerimônia que custa fortunas e dura tão pouco mas deixa a gente tão feliz.
Eu te calcei e gostei tanto que achei que não poderia ficar sem você. No começo não doía até que começou a incomodar, a não conseguir calçar sem dobrar o seu calcanhar e acabar te machucando também. Talvez tenha sido isso, tenha sido aí onde o fim começou.
Eu recuei, disse que não te queria mais, você me machucava demais e acabei te machucando. Machuquei tanto que você não queria mais me calçar e quando calçava ficava um pouco comigo e logo já dobrava meu calcanhar. Eu te incomodava e cada parte minha era indesejada: pais, filhos, passado...
Um agrado, um carinho sempre seguidos de um tapa na minha alma, um insulto. Um prazer em me ver desequilibrada como se isso te desse poder.
Às vezes pensava te que te ouvir sorrir enquanto eu chorava do outro lado da linha. Outras vezes eu ouvia seu sorriso irônico. Você já não acreditava mais em mim, não confiava mais em mim. Me fiz seca, você se fez dura.
Por que me aceitou de volta?
Por que eu quis voltar?
Agora estou me perguntando o porquê de eu te deixar me destratar tanto... Não sei. Essa foi a melhor explicação que encontrei nas suas palavras. Nas minhas encontrei uma culpa que não cabe no peito e que carrego há anos, décadas seria mais apropriado.
Talvez eu deixei você me destratar e me desrespeitar porque eu ache que eu mereça esse pouco de amor e só pouco amor é o que eu devo merecer.
Porque sou pesada demais. Porque sou feita da minha vida, vida que não encaixa no padrão de mulher que você sempre quis: livre como você.
Nos tornamos pouco ao sermos muito.
E eu ainda te amo, mesmo depois de ser jogada fora, largada na calçada da vida, resgatada por aqueles que me amam.
Não sei como terminar, ando concentrada em apenas respirar porque ainda sinto você dentro de mim, ainda estou moldada pra você...
Quem sabe um dia te encontro numa outra esquina, quem sabe já reparada e nova, mas mais maleável? Quem sabe nesse dia a gente sirva uma para a outra...
Quem sabe?
Até mais!

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