Escola
Paulista de Psicanálise
Resumo da Jornada
Científica: A banalização do Mal
Aluna: Neisa Castells Fontes
O mal que nos habita
1.
Introdução
As idéias aqui descritas, formadas com base nas palestras
sobre a banalização do mal, da Escola Paulista de Psicanálise, possuem o
intuito de compreender os motivos dos agressores, já que o que se passou com os
agredidos é de compreensão inatingível.
Entender não significa aceitar. O entender tem como princípio
básico a busca da causa para então procurar, e com sorte encontrar, soluções e
possibilidades de evolução.
2.
Holocaustos, a subjetivação do outro
e o mal estar na cultura
A subjetivação do outro sob a forma de genocídios é,
infelizmente, muito antiga na história da humanidade. O maior, em números de
mortos, data do início do século XX, na Turquia. Mas é provável que outros
ocorreram antes, com poucas ou nenhuma fonte de dados.
“Em princípios de 1915 o Comitê de União e
Progresso, em sessão secreta presidida por Talat, decide o extermínio dos
armênios. Participaram da reunião Talat, Enver, o Dr. Behaeddin Shakir, Kara
Kemal, o Dr. Nazim Shavid, Hassan Fehmi e Agha Oghlu Amed. Designou-se uma
comissão executora do programa de extermínio integrada pelo Dr. Nazim, o
Ministro da Educação Shukri e o Dr. Behaeddin Shakir. Esta comissão resolveu
libertar da prisão os 12 000 criminosos que cumpriam diversas condenações e aos
quais se encarregava o massacre dos armênios.” Mewlazada Rifar1
Entre 1894 e 1923 mais de dois milhões de cristãos perderam a
vida no Império Otomano, sendo que as causas, formas como ocorreram e
consequências ainda são motivos de controvérsias, dependendo de quem “conta a
história”.2
Uma viajante alemã escutou o seguinte de uma
armênia, em uma das estações do padecimento de um grupo de montanheses
armênios:
“Por que não nos matam logo? De dia não temos
água e nossos filhos choram de sede; e pela noite os maometanos vêm a nossos
leitos e roubam roupas nossas, violam nossas filhas e mulheres. Quando já não
podemos mais caminhar, os soldados nos espancam. Para não serem violentadas, as
mulheres se lançam à água, muitas abraçando a crianças de peito.”1
Estima-se que 6 milhões de judeus foram mortos no Holocausto,
entre 1939 e 1945. Em Dahfur estima-se que entre 50 a 450 mil pessoas entre
2003 até a presente data tenham morrido, sido exterminadas.1
Mas o que causa tanta morte? O que realmente leva um ser
humano a tentar exterminar uma raça inteira? Qual o motivo de tamanha
violência?
A palavra estrangeiro contém a raiz grega
xenos e exprime o desprezo e a estranheza suscitados pelo que se considera
estranho, alheio, bárbaro e indesejável. O preconceito é a parte inconsciente
da ideologia da sociedade que justifica a discriminação, a separação e a
exploração de um grupo por outro. Racismo e ódio pelo estrangeiro implicam a
impossibilidade de se desenvolver sem desvalorizar, excluir e odiar os que são
diferentes. Atribuir traços indesejados ao outro provém da necessidade de
proteger a coerência da própria imagem. O ódio racista dá lugar ao ódio pela
cultura, costumes, tradições e religião do outro. Sem dúvida, há forças
libidinais ligadas ao outro que permitem a integração dos estrangeiros nas
sociedades. Simultaneamente ao desenvolvimento do racismo moderno, surge uma
descoberta etnológica de grande importância que confirma o mito adâmico que
propõe uma única origem para a humanidade.3
A primeira questão que ocupa o ser humano é a auto
preservação e um método para “driblar” as imperfeições individuais é viver em
grupo, onde a destreza de um supre a limitação do outro. E em todas essas
histórias de genocídios citadas acima temos um estado contra uma minoria,
estrangeiros como a definição de Cereijido3, um perigo para a
integridade da nação. Os dois primeiros casos, genocídio armênio e judaico,
foram anunciados. O primeiro pelas inovações políticas do governo dos Jovens
Turcos que pregavam uma Turquia para os turcos e o segundo pela Política Racial
da Alemanha Nazista e acordos e leis subsequentes. O terceiro foi levado por
uma região inóspita, de difícil sobrevivências e guerras sequenciais. Todos,
porém, com um mesmo propósito: eliminar o perigo que o “estrangeiro” provoca.
Todos os genocídios possuem como característica principal a
desumanização do “estrangeiro”. Grupos divididos em privilegiados e não
privilegiados, onde é aceitável que os privilegiados oprimam os não
privilegiados. Sociedades divididas em grupos onde compaixão, empatia e
solidariedade não possuem espaço. Onde esses valores são perseguidos como sendo
de pessoas fracassadas e vencidas. Onde os até os pertencentes ao grupo dos não
privilegiados não as possuem, pois lutam para sobreviver. Onde o individual
aniquila o coletivo, tornando o eu mais importante do que o outro.
Para desumanizar nada pode fazer sentindo, pois o ser humano,
para se constituir um indivíduo deve ter um sentido à vida. É mostrar objetos
que não podem ser usados, por mais que se necessite deles, reduzindo indivíduos
às suas necessidades humanas básicas, homens passam a ser fome, sede, frio,
sono...
2.1.
Sobrevivendo
à desumanização
Não se
questiona, não se tem esperança, não é permitido imaginar um furtuto. Isso
enfraquece o homem e o torna mais distante de manter-se vivo.
É necessário
se adaptar ao meio, é necessário, antes de mais nada, ter sorte de estar no
lugar certo e na hora certa. A sorte, algo tão distante da nossa capacidade de
controle. Não se sobrevive. Não como um indivíduo.
3.
A violência como sintoma
contemporâneo
No Brasil os dados estatísticos apontam para cerca de 800 mil
cidadãos morreram vítimas de armas de fogo entre 1980 e 2010. As causas ficaram
assim divididas: acidentes-14.764, suicídios- 34.052, homicídios- 670.946 e
causas indeterminadas- 79.464.4
O números de homicídios é assustadoramente mais elevado,
ficando atrás somente das causas indeterminadas. O que nos leva a pensar nos
motivos que provocaram essas mortes, na causa do desejo de acabar com a vida do
outro. Seriam as diferenças, o “estrangeiro”? Seria a agressividade inerente a
todo ser humano? Seria a despersonificação do outro?
A grande possibilidade é que a causa seja a união de todos
esses fatores. O outro, ao ser diferente, torna-se uma ameaça ao meu eu. Sendo
diferente do que sou se torna “não humano”. Sendo não humano eu tenho permissão
para descarregar minha agressividade nele e me livrar da ameaça.
Assustador por ser tão possível, tão corriqueiro. Mas o que
fazer para evitar esse ciclo? Melhor: como nós lidamos com o que nos é estranho?
O que fazemos com a nossa inerente agressividade?
“É que Nariciso acha feio o que não é espelho/ e a mente
apavora o que ainda não é mesmo velho (...) E foste um difícil começo/ afasto o
que não conheço” (Sampa, Caetano Veloso)
O narcisismo pressupõe violência pois quanto mais se fecha em
seu próprio mundo mais o outro se transforma em estrangeiro e mais fácil fica
para transformá-lo em objeto. Um objeto sem história, reduzido a carne e osso.
Isso ocorre com frequência nas redes sociais, pois lá o eu é o que importa. É
muito comum ler frases que dizem que o outro é o causador de tudo o que
acontece de ruim na vida de uma pessoa é culpa do outro.
As tecnologias afastam as pessoas umas das outras, as privam
do convívio físico, tendo em vista que, caso eu me contrarie, não goste de algo
é só sair, deletar.... Tornar um outro um objeto, jogar aquilo que é diferente
do que eu acredito.
O preconceito é um regulador social a partir do momento em
que o outro, o que me causa preconceito, na verdade é aquele que me lembra da
minha fragilidade em resolver meus problemas.
Novamente temos aqui a diferença do outro como um risco para
a fragilidade do meu ego e a falta de noção do coletivo como geradora de
violência pela falta de respeito ao outro.
4.
A violência invisível
Ao se sentir iluminado, diferente do outro, já não se é mais
iluminado. A separação do eu e do outro é o princípio da violência. Não somos
iguais, mas somos semelhantes. Um simples olhar discriminador é um ato de
violência.
Quanto mais convicções temos mais motivos teremos para sermos
violentos. Não é necessário lutar pela verdade quando se vive o agora, se
aproveita as experiências que esse momento proporciona, pois se entende que a
verdade varia para cada indivíduo. Incluir total e completamente o outro a
partir do conhecimento de que não existe o bem e o mal, assim como não existe
apenas branco e preto mas uma infinidade de nuances entre essas cores. A raiva
provoca uma ação violenta.
É preciso trabalhar a raiva que existe dentro de nós para
responder a ela de forma não violenta. É necessário que nós tenhamos
consciência da raiva que existe dentro de nós mesmos, das nossas indignações,
para que possamos ser condescendentes com o outro e entende-lo. Entender que as
necessidades básicas são mais profundas que valores, pois a satisfação delas é
que nos torna possíveis.
Nascemos com certas características e somos modificados pelo
meio e temos a possibilidade de aprender e nos tornarmos seres melhores. Não é
fácil mas é necessário que se aja para que o nós seja o ganhador, que
percebamos o coletivo, que não esperemos que o outro faça. Precisamos fazer ao
invés de ficar resmungando reconhecendo o sagrado que habita no outro e o que
habita em mim. Não é fácil mas também não é impossível.
“Para criar uma cultura de não violência nós temos que
conhecer com intimidade a nós mesmos. Temos que conhecer com intimidade a nossa
mente.”
Monja Coen Roshi
Referências
3. Cereijido, F B. O olhar
sobre o estrangeiro: The gaze on the foreigner. Ide (São Paulo), São Paulo, v.
31, n. 47, dez. 2008. Disponível em
.
acessos em 01 mar.
2014.
Nota: Faltou uma palestra da jornada neste resumo.