segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A banalização do Mal

Escola Paulista de Psicanálise

Resumo da Jornada Científica: A banalização do Mal

Aluna: Neisa Castells Fontes

O mal que nos habita
1.    Introdução
As idéias aqui descritas, formadas com base nas palestras sobre a banalização do mal, da Escola Paulista de Psicanálise, possuem o intuito de compreender os motivos dos agressores, já que o que se passou com os agredidos é de compreensão inatingível.
Entender não significa aceitar. O entender tem como princípio básico a busca da causa para então procurar, e com sorte encontrar, soluções e possibilidades de evolução.
2.    Holocaustos, a subjetivação do outro e o mal estar na cultura
A subjetivação do outro sob a forma de genocídios é, infelizmente, muito antiga na história da humanidade. O maior, em números de mortos, data do início do século XX, na Turquia. Mas é provável que outros ocorreram antes, com poucas ou nenhuma fonte de dados.
“Em princípios de 1915 o Comitê de União e Progresso, em sessão secreta presidida por Talat, decide o extermínio dos armênios. Participaram da reunião Talat, Enver, o Dr. Behaeddin Shakir, Kara Kemal, o Dr. Nazim Shavid, Hassan Fehmi e Agha Oghlu Amed. Designou-se uma comissão executora do programa de extermínio integrada pelo Dr. Nazim, o Ministro da Educação Shukri e o Dr. Behaeddin Shakir. Esta comissão resolveu libertar da prisão os 12 000 criminosos que cumpriam diversas condenações e aos quais se encarregava o massacre dos armênios.” Mewlazada Rifar1
Entre 1894 e 1923 mais de dois milhões de cristãos perderam a vida no Império Otomano, sendo que as causas, formas como ocorreram e consequências ainda são motivos de controvérsias, dependendo de quem “conta a história”.2
Uma viajante alemã escutou o seguinte de uma armênia, em uma das estações do padecimento de um grupo de montanheses armênios:
“Por que não nos matam logo? De dia não temos água e nossos filhos choram de sede; e pela noite os maometanos vêm a nossos leitos e roubam roupas nossas, violam nossas filhas e mulheres. Quando já não podemos mais caminhar, os soldados nos espancam. Para não serem violentadas, as mulheres se lançam à água, muitas abraçando a crianças de peito.”1
Estima-se que 6 milhões de judeus foram mortos no Holocausto, entre 1939 e 1945. Em Dahfur estima-se que entre 50 a 450 mil pessoas entre 2003 até a presente data tenham morrido, sido exterminadas.1
Mas o que causa tanta morte? O que realmente leva um ser humano a tentar exterminar uma raça inteira? Qual o motivo de tamanha violência?
A palavra estrangeiro contém a raiz grega xenos e exprime o desprezo e a estranheza suscitados pelo que se considera estranho, alheio, bárbaro e indesejável. O preconceito é a parte inconsciente da ideologia da sociedade que justifica a discriminação, a separação e a exploração de um grupo por outro. Racismo e ódio pelo estrangeiro implicam a impossibilidade de se desenvolver sem desvalorizar, excluir e odiar os que são diferentes. Atribuir traços indesejados ao outro provém da necessidade de proteger a coerência da própria imagem. O ódio racista dá lugar ao ódio pela cultura, costumes, tradições e religião do outro. Sem dúvida, há forças libidinais ligadas ao outro que permitem a integração dos estrangeiros nas sociedades. Simultaneamente ao desenvolvimento do racismo moderno, surge uma descoberta etnológica de grande importância que confirma o mito adâmico que propõe uma única origem para a humanidade.3
A primeira questão que ocupa o ser humano é a auto preservação e um método para “driblar” as imperfeições individuais é viver em grupo, onde a destreza de um supre a limitação do outro. E em todas essas histórias de genocídios citadas acima temos um estado contra uma minoria, estrangeiros como a definição de Cereijido3, um perigo para a integridade da nação. Os dois primeiros casos, genocídio armênio e judaico, foram anunciados. O primeiro pelas inovações políticas do governo dos Jovens Turcos que pregavam uma Turquia para os turcos e o segundo pela Política Racial da Alemanha Nazista e acordos e leis subsequentes. O terceiro foi levado por uma região inóspita, de difícil sobrevivências e guerras sequenciais. Todos, porém, com um mesmo propósito: eliminar o perigo que o “estrangeiro” provoca.
Todos os genocídios possuem como característica principal a desumanização do “estrangeiro”. Grupos divididos em privilegiados e não privilegiados, onde é aceitável que os privilegiados oprimam os não privilegiados. Sociedades divididas em grupos onde compaixão, empatia e solidariedade não possuem espaço. Onde esses valores são perseguidos como sendo de pessoas fracassadas e vencidas. Onde os até os pertencentes ao grupo dos não privilegiados não as possuem, pois lutam para sobreviver. Onde o individual aniquila o coletivo, tornando o eu mais importante do que o outro.
Para desumanizar nada pode fazer sentindo, pois o ser humano, para se constituir um indivíduo deve ter um sentido à vida. É mostrar objetos que não podem ser usados, por mais que se necessite deles, reduzindo indivíduos às suas necessidades humanas básicas, homens passam a ser fome, sede, frio, sono...
2.1.        Sobrevivendo à desumanização
Não se questiona, não se tem esperança, não é permitido imaginar um furtuto. Isso enfraquece o homem e o torna mais distante de manter-se vivo.
É necessário se adaptar ao meio, é necessário, antes de mais nada, ter sorte de estar no lugar certo e na hora certa. A sorte, algo tão distante da nossa capacidade de controle. Não se sobrevive. Não como um indivíduo.
3.    A violência como sintoma contemporâneo
No Brasil os dados estatísticos apontam para cerca de 800 mil cidadãos morreram vítimas de armas de fogo entre 1980 e 2010. As causas ficaram assim divididas: acidentes-14.764, suicídios- 34.052, homicídios- 670.946 e causas indeterminadas- 79.464.4
O números de homicídios é assustadoramente mais elevado, ficando atrás somente das causas indeterminadas. O que nos leva a pensar nos motivos que provocaram essas mortes, na causa do desejo de acabar com a vida do outro. Seriam as diferenças, o “estrangeiro”? Seria a agressividade inerente a todo ser humano? Seria a despersonificação do outro?
A grande possibilidade é que a causa seja a união de todos esses fatores. O outro, ao ser diferente, torna-se uma ameaça ao meu eu. Sendo diferente do que sou se torna “não humano”. Sendo não humano eu tenho permissão para descarregar minha agressividade nele e me livrar da ameaça.
Assustador por ser tão possível, tão corriqueiro. Mas o que fazer para evitar esse ciclo? Melhor: como nós lidamos com o que nos é estranho? O que fazemos com a nossa inerente agressividade?
“É que Nariciso acha feio o que não é espelho/ e a mente apavora o que ainda não é mesmo velho (...) E foste um difícil começo/ afasto o que não conheço” (Sampa, Caetano Veloso)
O narcisismo pressupõe violência pois quanto mais se fecha em seu próprio mundo mais o outro se transforma em estrangeiro e mais fácil fica para transformá-lo em objeto. Um objeto sem história, reduzido a carne e osso. Isso ocorre com frequência nas redes sociais, pois lá o eu é o que importa. É muito comum ler frases que dizem que o outro é o causador de tudo o que acontece de ruim na vida de uma pessoa é culpa do outro.
As tecnologias afastam as pessoas umas das outras, as privam do convívio físico, tendo em vista que, caso eu me contrarie, não goste de algo é só sair, deletar.... Tornar um outro um objeto, jogar aquilo que é diferente do que eu acredito.
O preconceito é um regulador social a partir do momento em que o outro, o que me causa preconceito, na verdade é aquele que me lembra da minha fragilidade em resolver meus problemas.
Novamente temos aqui a diferença do outro como um risco para a fragilidade do meu ego e a falta de noção do coletivo como geradora de violência pela falta de respeito ao outro.
4.    A violência invisível
Ao se sentir iluminado, diferente do outro, já não se é mais iluminado. A separação do eu e do outro é o princípio da violência. Não somos iguais, mas somos semelhantes. Um simples olhar discriminador é um ato de violência.
Quanto mais convicções temos mais motivos teremos para sermos violentos. Não é necessário lutar pela verdade quando se vive o agora, se aproveita as experiências que esse momento proporciona, pois se entende que a verdade varia para cada indivíduo. Incluir total e completamente o outro a partir do conhecimento de que não existe o bem e o mal, assim como não existe apenas branco e preto mas uma infinidade de nuances entre essas cores. A raiva provoca uma ação violenta.
É preciso trabalhar a raiva que existe dentro de nós para responder a ela de forma não violenta. É necessário que nós tenhamos consciência da raiva que existe dentro de nós mesmos, das nossas indignações, para que possamos ser condescendentes com o outro e entende-lo. Entender que as necessidades básicas são mais profundas que valores, pois a satisfação delas é que nos torna possíveis.
Nascemos com certas características e somos modificados pelo meio e temos a possibilidade de aprender e nos tornarmos seres melhores. Não é fácil mas é necessário que se aja para que o nós seja o ganhador, que percebamos o coletivo, que não esperemos que o outro faça. Precisamos fazer ao invés de ficar resmungando reconhecendo o sagrado que habita no outro e o que habita em mim. Não é fácil mas também não é impossível.
“Para criar uma cultura de não violência nós temos que conhecer com intimidade a nós mesmos. Temos que conhecer com intimidade a nossa mente.”
Monja Coen Roshi
Referências
1.   Genocídio armênio. Wikipédia [internet] 2005-2014 [atualizado 2014; citado 2014 mar 01]. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Genoc%C3%ADdio_arm%C3%AAnio
2.    Almeida, L C S. Armênios e gregos romanos: a polêmica de um genocídio. 2013. 157 f. Dissertação (mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p 7. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-13112013-124311/pt-br.php
3.    Cereijido, F B. O olhar sobre o estrangeiro: The gaze on the foreigner. Ide (São Paulo), São Paulo, v. 31, n. 47, dez. 2008.   Disponível em . acessos em  01  mar.  2014.
4.    Waiselfisz, J J. Mapa da violência 2013: mortes matadas por armas de fogo. Rio de Janeiro: FLASCO, 2013. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/MapaViolencia2013_armas.pdf


 Nota: Faltou uma palestra da jornada neste resumo.

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